A costura do todo

 Por Paola Fabres

Livro Arquivo 17 from Fernanda Grigolin on Vimeo.

A liderança feminina aparece já na capa. Inflamando o povo, a voz que não se escuta, mas que é possível de se imaginar, sobre os gritos de todos, acionava a multidão rumo à greve de 1917. O gesto político dessa mulher no palanque evocava uma força social numa moção praticamente inédita e despertava o movimento coletivo. Essa é a ação que abre o livro. A imagem, o ruído, o grão nos remetem a esse passado.

Virando a página, as imagens vem e vão. Aparecem e desaparecem, criam arranjos, ganham corpo, se harmonizam e se atropelam para vir à tona no espaço em branco. Talvez, estejamos lidando com códigos da própria memória, que trabalha conforme uma coreografia da recordação e do esquecimento. Por isso mesmo, nos esforçamos pra segurar quando vale a pena a permanência. Grava-se, portanto, no papel uma história descavada, e nele mesmo os fragmentos de um passado vão deixando sua marca. Vira-se outra página. Atravessados pelo tempo, esses rastros ficaram visíveis.

Emancipadas, as imagens ocupam livremente o espaço da folha. Se deslocam e se alastram, invadem fronteiras e ativam as bordas, juntas ou separadas, aceitando suas próprias existências a partir da conjuntura coletiva e individual. A liberdade é quem rege essa dinâmica e é quem ativa no impresso um conceito constituinte de autonomia e autenticidade. Ainda assim, uma convive com a outra. Mulher convive com homem, negro convive com branco e o histórico convive em comunhão com o contemporâneo. Já nem sabemos bem o que é registro de antes e o que é de hoje. No fim das contas, muitos dos direitos pelos quais se clamava no passado seguem ainda os mesmos. As lutas e dores lá de trás também se rebatem nos dias atuais.

É nesse sentido que o projeto Arquivo 17, expandido para além dessa configuração editorial, vai cruzando esses recortes e modelando uma possibilidade de trânsitos sincrônicos e diacrônicos. No caso da publicação, é a linha que vai unindo tudo isso. As folhas costuradas nos lembram da participação das operárias e operários da indústria têxtil nesse processo reivindicativo. Nos permite pensar numa linha simbólica que vaza do ofício, sai da função de fábrica e invade um contexto de tear social e coletivo. A linha vermelha, anárquica, surge discreta, mas dá a liga do todo. Nos amarra de lá até aqui e vincula muita coisa. As páginas se costuram, as histórias se atam e os próprios rostos anônimos que se reúnem pela rua, também.

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