Edição impressa atual

O Borda - último Jornal de Borda 

edição e preparação: Fernanda Grigolin
projeto gráfico: Laura Daviña

textos:  Adriana Varella, Alana Kikkawa, Aline Ludmila, Amy Jo Westhrop, Charlas y Luchas, Cibele Troyano, Fernanda Grigolin, Janayna Araujo, Mogli Saura, Larissa G. Tokunaga, Renato Mendes,Weverton da Silva
imagens: Arquivo do Centro de Cultura Social com Edvaldo, A Antiespecista zine com Edinir Aprígio e Bruna Kury com Vulcanica Pokaropa
traduções:  About Rose Mallows e Aquela Mulher do Canto Esquerdo do Quadro
revisão: Nabylla Fiori
fontes utilizadas:  Cuir Roman Times, Desvarial e Luce Fabbri (Laura Daviña), Dead (Jason Forrest), Leone (Laura Martens), Lexicon (Bram de Does),
Lumberjack (Birgita Siim), Ortica (Benedetta Bovani) e fontes do séc xix (tipografes ananonimes).

A construção da edição iniciou em Setembro de 2020. Foram realizados 10 encontros para discutir a pauta e os processos de produção, edição e circulação. Além disso, foram feitas lives nas mídias sociais. Jornal de Borda foi uma publicação editada entre 2015 e 2021 pela Tenda de Livros.

EDITORIAL:
Jornal de Borda é uma publicação que não deveria ter existido, pois ele não pertence nem ao campo das artes visuais, suas revistas de invenção e suas publicações de artista, nem ao que seria um entendimento clássico sobre a imprensa operária e suas ações noticiosas sobre as
condições do trabalho, sobre as ações e sobre as estratégias coletivas.
Jornal de Borda é um desalojado. Foram seis anos, dez edições, 268 páginas pensadas e reproduzidas e espalhadas em quase 40 mil vezes. Quase 200 pessoas colaboraram
com o projeto cujos lançamentos foram realizados no Brasil, Uruguai, México e Argentina, com distribuição em outros países como Portugal, Chile e Peru.
A chegada do periódico da gráfica era sempre um momento de tensão. Recepcionar, empilhar, empacotar e distribuir eram ações do gesto final e elas tomavam todo o meu corpo. Lembro sentir cheiro de jornal em mim por dias, aquela tinta impregnava minhas unhas
e dedos... O gesto final sempre foi um compromisso individual, como idealizadora e editora, e minha família assumia como dela também para me dar um suporte emocional.
Uma publicação colaborativa deveria ter todos os seus processos responsavelmente
pensados. Publicar vai muito além dos gestos de planejar, escrever,
produzir, editorar... Fazer um pacote é tão editorial quanto pensar o lugar em que a imagem vai entrar.
Ando pensando muito sobre o que é publicar e o que seria publicar como um processo de autogestão e de anticapitalismo. Não tenho respostas, mas uma publicação coletiva
que pretende rever suas práticas não é apenas uma divisão de tarefas ou um apanhadão do que cada um fez. Tampouco é algo como se os participantes elaborassem os textos e a editora
ficasse com o resto (o resto é gigante e, no máximo, quem edita tem a companhia de quem faz o projeto gráfico). E, muito menos ainda, realizar uma publicação anticapitalista é apenas tomar a decisão da editora não receber pelo seu trabalho. A gráfica é paga, o papel, cujo monopólio é de uma empresa (que decidiu não fazer mais papel jornal e hoje em dia
ele é importado), é pago. Então por qual motivo pessoas trabalhadoras do impresso não deveriam receber pelo seu trabalho? No Jornal de Borda, eu experimentei de tudo: escrever, desenhar, vender, empacotar e empilhar.
Desde a edição 4, uso o espaço da página para testar, editar e compreender a minha pesquisa sobre anarquismo e é o Jornal de Borda a expressão de um arquivo afetivo e de uma imaginação política. Devolver ao mundo A Plebe, O Nosso Jornal e Nuestra Tribuna com respeito aos seus pensamentos editoriais, temporais e tipográficos, são o melhor do Jornal de Borda. As edições foram distribuídas amplamente para que militantes e historiadores tivessem o gesto de ler e ver esses periódicos. Uma publicação é uma narrativa visual, textual, mas também uma forma de organização social e coletiva. Elementos sociais, historiográficos, visuais e textuais deveriam ser olhados em conjunto como escolhas expressivas do passado que nos ensinam também a visualizar, imaginar e militar. A Plebe, por exemplo, nasceu em 1917 com uma tiragem considerável, chegando aos 10 mil exemplares, muito próxima à tiragem dos jornais institucionais daquela época. A Plebe, em seu primeiro ano de vida,
e mesmo seu antecessor, A Lanterna, não eram imprensas menores; eram jornais com circulação local, nacional e transnacional. Além de serem lugares educativos de leitura coletiva. Nota-se também na Plebe um conhecimento de desenho de página, construção textual e formas de narrar muito próxima ao cinejornal (aqui falando especificamente da edição de 21/07/1917). É um feito editorial a ser considerado e olhá-lo como um lugar da cultura visual é necessário e generoso com o anarquismo.
O anarquismo também ensina muito sobre circulação. Aquele método antigo do anarquismo de carregar junto ao corpo suas publicações ainda é a norma para O Borda e para
muitos publicadores que editam anarquismo. Aliás, esse método existia antes de qualquer infraestrutura como as estradas e o mercado editorial.
Falar que existiam publicações e sua distribuição antes do mercado não é uma metáfora ou algo romântico da minha parte. Falar que existiam publicações e sua distribuição antes do mercado é compreender o papel crucial que o anarquismo tem para a prática impressa, o pensamento editorial e a edição artesanal no Brasil. Contar essa história é urgente
e primordial. Talvez aprofundá-la nos ensine ainda mais sobre a prática anarquista, além do que já é dito nos textos lidos e relidos.
A EDIÇÃO 10
A edição que você tem em mãos poderia não ter sido assim se em agosto eu não tivesse postado um incômodo sobre o que seria a relação entre arte e anarquismo nas mídias sociais. As pessoas comentaram suas opiniões sobre essa relação e então um processo de reuniões e diálogos se iniciou em setembro. Boa parte das pessoas aqui presentes não se conheciam e
foi decidido fazer uma edição em tiragem de 5 mil (como foi a maioria das edições do Borda) e em um formato e projeto gráfico que remetesse ao jornal A Plebe. Eu já estava exausta
e havia decidido que o fim do Borda seria um texto individual contando um pouco das minhas escolhas. Foram essas outras pessoas que trouxeram outras vontades de páginas.
O nome Borda remete aos periódicos anarquistas do passado, como A Plebe, A Lanterna, que tinham seus nomes pensados com um artigo definido e um substantivo. Já tínhamos feito um exercício similar na edição 7, juntamente com Karina Francis Urban, e O Borda já havia sido posto em clichê tipográfico e impresso, assim como se fazia há cem anos. Talvez esta edição de agora converse diretamente com a edição 7 e os fac-símiles trazidos no 4 e no 6. Por isso, a logo é um híbrido da logo original do Jornal de Borda, feita por Lila Botter, com a logo de A Plebe, proposta por Laura Daviña que também realizou o projeto gráfico desta edição em suas mãos.
A conversa com o passado é visual, ética, estética e impressa e também é temática, pois ela aborda temas relacionados ao anarquismo e traz velhas questões já faladas por mulheres
anarquistas do passado como: por qual motivo um movimento de transformação social e emancipação humana, como é o anarquismo, ainda reproduz práticas machistas?
O Borda 10 é o Borda possível, feito com as ferramentas que tivemos no momento. Mesmo sua gestação tendo sido iniciada em setembro, foram trocas e conversas sobre cada etapa: como planejar, como editar, como olhar para os elementos, como construir textos. Algumas decisões foram tomadas em respostas aos desafios e o maior deles: a distribuição está, novamente, em aberto. Mais uma vez fecho uma edição tendo apenas a gráfica paga e,
novamente, o desafio da circulação segue sendo árduo e indissolúvel.
O Jornal de Borda se despede como O Borda. Que estas colunas, linhas e releituras gráficas imaginativas sejam um convite para nós seguirmos a nos reencontrarmos, porém não mais como O Borda, mas em outras páginas futuras, também desalojadas.